Leonencio
Nossa - O Estado de S. Paulo
É
madrugada em Parintins (AM). Às 5 horas, deixamos o cais numa voadeira alugada.
O Amazonas, com águas paradas, é dourado nas primeiras horas do dia.
Depois
de 40 minutos, passamos pela comunidade Imaculada Conceição, também na margem
esquerda, formada por dez casas de madeira ao redor de uma igreja. Mais à
frente, fica a comunidade Menino Deus. Um menino rema com a canoa. A voadeira
para ao lado de uma embaúba, árvore tomada de formigas. Ricardo de Souza Ramos,
de 12 anos, está na 6.ª série. Acordou às 4 horas. Com malhadeira, pegou
tambaquis e curimatãs. Geralmente, captura de 10 a 15 peixes por dia.
Uma mulher
e uma menina pequena remam ali perto da comunidade. Os raios do sol iluminam a
proa da canoa. A criança, uma menina morena, de cabelos amarrados, joga o remo
para a frente. Dá uma curvada com os braços e mergulha o remo na água, como se
fosse gente grande. Chama-se Jocinara e tem apenas 6 anos.
Jocinara ajuda a mãe a remar
a canoa perto do povoado de Menino Deus.
FOTO: CELSO JUNIOR/AE
Laudicéia
Silva Ribeiro, de 24 anos, é mãe de Jocinara e de outras duas meninas, Jociane,
de 4 anos, e de Graziela, de 3. Conta que a escola da filha fecha em toda cheia
do rio. Quando o nível do rio sobe, além de as crianças perderem aula, o
alimento fica escasso, a vida, mais difícil. “No verão é só trabalho. A gente
planta melancia, feijão e milho na várzea. E arrenda terras dos outros para
aumentar a roça. Metade da plantação fica para a gente e metade para o dono da
terra.” O plantio começa em agosto, quando o nível do rio está baixo.
Laudicéia
diz temer os grandes jacarés. Recentemente, moradores da comunidade mataram um
animal de 6 metros de comprimento. Há três anos, um jacaré cortou a “cana” do
braço de um menino.
O temor dos répteis já tinha sido registrado numa das descrições mais antigas da vida na Amazônia. No século 18, o padre João Daniel anotou em seu Tesouro Descoberto no Máximo Rio Amazonas que, para os nativos, “o jacaré é a pior cousa que cria o Amazonas”.
“Se
não matar, ele fica ajeitando, a gente tem de ter a prudência de matá-lo”, diz
Laudicéia. “Um casco como este em que estamos não é nada para ele.”
Cunhado. Em minutos, a
ribeirinha toma confiança e começa a falar de um drama que a assusta até mais
que os grandes jacarés: o alcoolismo, que atinge várias famílias locais.
Laudicéia conta que o pai abandonou sua mãe por causa da bebida. “Aqui, na
comunidade, não se vende bebida. Mas quem gosta não acha distância. A bebida
persegue a comunidade.”
“A
gente não está com o coração bom para suportar essas coisas. Um cunhado há
pouco tempo saiu para pescar e morreu afogado”, conta. “Tinha bebido. Um homem
não morre afogado quando está bom da cabeça.” O cunhado, Raimundo Graça
Pantoja, tinha 31 anos. Deixou quatro filhos.
Laudicéia
diz que o marido, Graciélio, de 28, não bebe. Ele, porém, sofre com o
alcoolismo do pai. “Meu sogro é boa pessoa. Quando bebe aparece com um terçado
querendo matar todo mundo. Não sabe o que está fazendo. A gente fica com medo.
Graças a Deus, meu marido não bebe. Ele tem raiva do pai.”
As mulheres e os líderes das comunidades da região não sabem como lidar com o problema, diz Laudicéia. “Quando falta dinheiro e começa o desespero, os homens tomam óleo diesel dos tambores nos barcos.”
Texto extraído de: O Estadão
em 21 de
março de 2011 | 23h 59
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