ADQUIRINDO CONSCIÊNCIA


Costuma-se dizer que nossa cruz nunca é mais pesada do que podemos carregar.  Isto pode ser difícil de acreditar, quando vemos uma porta que se fecha e põe fim a vinte anos de casamento, ou quando estamos sentados numa sala de emergência com algumas costelas certamente quebradas em consequência do último episódio violento de alcoolismo.  Algumas vezes nós enfrentamos uma situação difícil ao primeiro sinal do problema, com frequência, porém, nós que fomos afetados pela maneira de beber de outra pessoa, tentamos fazer de conta que o problema não existe, ou temos a esperança de que ele desapareça.  Às vezes nos isolamos com medo da reação de outras pessoas.  Talvez, ainda, evitamos falar sobre o assunto, por medo de que a situação se torne mais real se falarmos sobre ela em voz alta. Talvez até desejemos saber exatamente o que está acontecendo, mas também queremos evitar outras más notícias.  Isto é uma forma de negação.  A negação é a atitude de uma pessoa que, para sobreviver, procura se adaptar a uma situação cuja gravidade conhece, mas faz de conta que não existe – é a melhor maneira que encontramos de viver de acordo com o mundo que nos cerca.  De vez em quando, só mesmo uma crise pode romper com nossa negação; à medida que a situação piora, encarar a realidade é, muitas vezes, a melhor escolha.


Outras vezes a conscientização vai chegando devagar e suavemente, e podemos nos dar ao luxo de abandonar a negação, pouco a pouco, substituindo-a pela segurança que frequentemente se desenvolve no Al-Anon, sejam quais forem nossos problemas.  O fato de nos identificarmos com outros membros à medida que eles enfrentam suas próprias realidades, o fato de nos vermos rodeados de coragem e de nos sentirmos totalmente livres da pressão que nos força a agir “da maneira certa”, nos encoraja a nos sentir seguros.  E, à medida que este sentimento cresce, a conscientização que esteve por muito tempo enterrada, pode começar a despertar dentro de nós.

Para alguns, a lembrança de agressões verbais ou físicas do alcoólico volta de repente à consciência, depois de ter estado perdida por muitos anos.  Pode ser que essa recordação não seja bem-vinda; pode ser até que resistamos a ela. A conscientização pode ser muito incômoda quando abala as velhas ideias que tínhamos sobre nós mesmos.

Os recém-chegados não são os únicos que têm dificuldade para lidar com situações difíceis.  Até os membros mais antigos, acostumados a viver relativamente serenos, podem ficar relutantes em reconhecer a força de uma crise.  É fácil nos iludir com a ideia de que, com uma suficiente recuperação, nada mais vai nos incomodar.  Ao contrário, à medida que nos recuperamos, percebemos mais nitidamente os nossos sentimentos e começamos a participar da vida de maneira mais completa.  Muitas vezes adquirimos uma nova compreensão e vemos as coisas sob outras perspectivas.  Quando o foco foi realmente tirado do alcoólico e vivenciamos o crescimento espiritual no Al-Anon, muito de nós começam a aprender pela primeira vez quem são e o que querem.  Apesar desse processo muitas vezes nos permitir a descoberta de  qualidades e talentos que, antes não eram reconhecidos e que realçam nossas vidas, também podemos descobrir áreas de descontentamento.  Alguns se conscientizam de profunda insatisfação com a profissão ou com as finanças; outros questionam decisões de índole moral.  Uma avaliação honesta da realidade pessoal pode levar um homem de meia idade, pai de cinco filhos, a ponderar se ele não seria homossexual, ou levar um construtor a se matricular na faculdade de medicina, ou tentar um advogado a deixar o exercício lucrativo da profissão, para escrever poesia.  É no mínimo traumático enfrentar descobertas dessa grandeza.

A conscientização também pode se jogar sobre nós com uma desconcertante rudeza.  Quem não ficaria aniquilado com o suicídio de alguém que ama?  Quem não é tomado pelo medo ao descobrir um caroço no seio ou ao saber que um ex-namorado talvez nos tenha exposto a uma doença potencialmente fatal?  Quantos conseguem reagir graciosamente, quando o processo de envelhecimento torna impossíveis tarefas que eram fáceis de realizar?  A doença familiar do alcoolismo pode nos deixar completamente arrasados por situações desse tipo.  Pode ser que não consigamos controlar essas circunstâncias, e nos sintamos abandonados por aqueles de quem mais desejamos apoio.  Mas nós temos escolhas.  Podemos decidir se vamos nos abandonar ou não.  Uma forma de honrar a nós mesmo é admitir a realidade, tal como a percebemos, a seu próprio modo e no seu próprio ritmo.




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